E agora?

quarta-feira, junho 28, 2006

Aquela menina

Quando criança, não comia melancia, com medo que nascesse uma dentro da barriga; achava que o sol era casado com a lua e a lua era feita de queijo; achava que a velocidade das nuvens se movendo no céu era a mesma da Terra girando. Queria pegar estrelas na mão. Imaginava que comer lápis de cor colorido coloria por dentro; que se plantasse moeda, nascia um pé de dinheiro; imaginava que moravam monstros embaixo da cama e que algumas bonecas eram malvadas; acreditava que Papai Noel existia e que os galhos das árvores caídos no chão, as renas tinham derrubado.

Mas acima de tudo, achava que quando crescesse seria mais feliz.

Estava cansada daquela rotina. Cansada das mesmas coisas. Da sem-gracice. Casa, trabalho. Trabalho, casa. Aliás, mais trabalho que casa. Milhares de horas extras não-pagas. E salário, sempre atrasado.

Mas seria diferente. Seria um dia de resgatar seu olhar ingênuo e fazer mil coisas gostosas. Porque precisava voltar a achar gostosas as pequenas coisas.

Já era tarde quando se espreguiçou. Ao fazer o café, esquentou as mãos no vapor. Viu a manteiga derreter no pão fresquinho que havia acabado de comprar. Estava feliz, no caminho da padaria recebeu um elogio de um estranho, mesmo estando com aquele moletom velho...

Tomou um banho bem quente e perfumado. Colocou um vestido novo, há muito tempo guardado. Foi passear.

Cumprimentou a vizinha chata com um sorriso. Tirou os sapatos para sentir a grama debaixo dos pés e foi sentar em um lugar movimentado, só observando as pessoas, porque elas sempre fazem coisas em meio à multidão achando que ninguém está vendo. Flagrou um executivo coçando a bunda, uma madame chorando, um menininho tentando espiar por debaixo das saias, uma mulher passando perfume, um adolescente tentando sentir se o braço estava fedendo, um homem fazendo xixi na árvore e uma menina maravilhada, seguindo uma trilha de formigas que levavam as folhas cortadas para casa, até que uma delas mordeu seu dedo e ela foi gritando procurar a mãe.

Já era mais de quatro da tarde, “É, o tempo passa rápido hoje”, pensou. Abriu sua bolsa e pegou um pacote de biscoitos waffer e saboreou a cada um como se fosse o último, lentamente, camada por camada, prestando atenção no barulho crec crec que o mastigar fazia dentro de sua cabeça. Lambeu os dedos e estalou os lábios. E agora?

O telefone toca. É do trabalho. “Não, hoje eu sou livre”. Não se enfiaria de novo naquela rotina de sua vida, sem coragem de fazer algo novo. Não mais sentiria saudade de ser feliz. Olhou o relógio. Suspirou. Estava quase na hora. Caminhou, sentindo o vento no rosto, achando tudo muito mais colorido que de costume.

Estava bem no alto. Olhou os trilhos lá embaixo. Último momento para lembrar as coisas boas. Do quanto era bom encher um balde d’água e brincar com a mão lá dentro, olhar para uma vela acesa e ver a chama dançar, comer um bom filé cheio de alho, beijar, abraçar, ter um ataque de riso, chorar no chuveiro só pra poder dizer que os olhos vermelhos foram por causa do xampu.

Já podia escutar o apito. Cada vez mais perto. Sim, era agora. Pulou. Mas não caiu; e o apito cada vez mais alto, gritando dentro do cérebro, sem parar, como marteladas.

NÃO!

Abriu os olhos, desligou o rádio, suspirou. O mesmo teto, a mesma cama. A mesma vida. “E eu sempre acordo”, pensou, antes de ir trabalhar, dia após dia, como de costume, se perguntando pra onde ia aquela menina que tinha coragem de fazer diferente.

sexta-feira, junho 16, 2006

O que você já fez que mudou a vida de alguém?

Não penso nas coisas obviamente divisoras de águas, como ter um filho, mas algo mais sutil, alguma coisa mais... Efeito Borboleta, bola-de-neve. Uma pequena peça de dominó, que acaba empurrando as demais noutra direção.

Tem essas coisas do dia-a-dia que a gente não faz idéia do quanto pode tocar alguém. Muitas vezes a gente nem se toca.

Pensa numa festa que você tenha dado. Quantas pessoas se conheceram lá? Amizades podem ter surgido, alguém pode ter conseguido um contato que resultou num emprego, uma pessoa pode ter bebido demais, feito besteira e acabado o namoro.

Lembrei do filme Corra, Lola, Corra. Ela precisava resolver um assunto e o filme mostrava ela tentando, várias hipóteses. Cada vez que tentava, um segundo em que ela se atrasava, uma pessoa diferente que ela esbarrasse na rua, o resultado saía diferente.

De repente uma conversa banal anos atrás pode ter feito seu amigo escolher pra qual curso prestar vestibular.

Depois lembrei da Amélie Poulain, que conscientemente tentava dar seu empurrãozinho nos outros. Ás vezes conseguia mudar alguma coisa, às vezes não.

Ás vezes pessoas com as quais eu conversei pouco, aparecem, contam sua vida e eu dou conselhos. Será que eu consegui fazer a pessoa se levantar e fazer alguma coisa diferente?

?

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E o que já fizeram que mudou a direção da sua vida?

Um esbarrão na rua pode ter te atrasado o suficiente pra perder o ônibus, de repente isso não mudou nada, de repente você chega atrasado numa reunião, ou conhece alguém no caminho, ou deixa de ser assaltado naquele ônibus.

Lembro de uma tarde em que conversava com amigos no colégio, respondia àqueles testes de revista Capricho(ou qqr coisa) e simplesmente me deu o clique que fez eu decidir pra qual curso prestar vestibular. Simples assim. Na verdade, envergonho-me, foi olhar a revista que me fez ver o quanto eu achava publicidade legal(apesar d eu n conhecer direito).

Mas às vezes as coisas são tão sutis que não rastreamos que peça do dominó caiu lá atrás e mudou tudo. Dizemos que foi um acaso do destino. E paramos de pensar nisso.

E se realmente existir destino ou predestinação, creio que seria algo mais ou menos assim: milhares de caminhos ramificados, e nosso livre arbítrio faz com que fiquemos escolhendo e pulando entre as (in)finitas possibilidades que estão lá. Como alguns livros de criança. A história está lá escrita, mas existe a escolha: se você quiser que o personagem ataque o dragão, você vai para a página 58, se você quiser que ele suba na árvore, você vai para a página 62.


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Gosto de pensar que a maioria das coisas que já fiz, tendo a intenção consciente ou não, tenha contribuído pra que alguma coisa boa acontecesse.

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Então, alguém consegue rastrear algum fato aparentemente banal, com conseqüências interessantes?

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ps.: quero mais inspiração.

quarta-feira, junho 14, 2006

Ah, sim, agora quem quiser comentar, pode. Não precisa ter cadastro. :)

sexta-feira, junho 09, 2006

Queria ser uma pessoa melhor.

De verdade.

Mas... o que é ser uma pessoa melhor?

Seria estudar mais e afiar-se na vida profissional?
Ter mais tempo para dividir com a família?
Ser menos mesquinho e praticar boas ações?

Eu não sei bem ao certo.

Acho que antes de mais nada, a gente tem que saber se quer ser uma pessoa melhor para si ou para os outros.

Você quer ser uma pessoa das quais as outras gostem mais, admirem mais? Mais beleza, mais dinheiro, ser querido pela personalidade afável e bem-humorada?

Ser melhor é se adaptar às necessidades do ambiente? Agradar o chefe para receber uma promoção ou correr atrás de um emprego que pague mais, não contrariar a mamãe para que ela não brigue com você?

Ser melhor é ser bonzinho pra ir pro Céu? Livrar-se da inveja e da cobiça e do pecado?

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Todas essas coisas, mais ou menos, têm seu ponto. Mas acho que o que vale mais é tornar-se uma pessoa melhor para si mesmo, ou seja, minimizar ao máximo aquelas coisas que te incomodam e só cabe a você mudar. É tentar ser menos frustado. É estar tranqüilo consigo, e sem comodismos. Aquela sensação de que estou fazendo o que devo fazer.

No fundo, cada um deve saber por que e para que melhorar (se é que todos realmente querem melhorar em alguma coisa).

Para uns, talvez ser uma pessoa melhor é ser melhor que você mesmo, superação; para alguns é ser melhor que os outros. E existem as interseções entre as possibilidades.

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Eu prefiro ser uma pessoa melhor pela paz da minha consciência. Será que eu chego lá?

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Queria ser uma pessoa melhor. E você?
Criei um blog. E agora?