E agora?

quarta-feira, agosto 16, 2006

"Por que justo eu?", olhou para o espelho e para as feridas que se espalhavam sem dó por seus braços, pernas, barriga, costas... Bom, não eram exatamente feridas (pelo menos enquanto não as coçava), eram manchas avermelhadas, causadas por um processo inflamatório de origem auto-imune, cheias de cascas de pele esbranquiçadas que não cansavam nunca de descamar, todo dia, crescendo como se fossem impulsionadas por um poder de regeneração digno de Wolverine. Então. Uma doença crônica, incurável e não-contagiosa. NÃO-CONTAGIOSA! "E mesmo assim, olha só que beleza, estou entre o premiado 2% da população que tem essa MERDA."

Saiu de casa sentindo pena de si mesma, por precisar se esconder do mundo, com medo do preconceito alheio. Sentindo vergonha do próprio corpo. Com medo de nunca arranjar ninguém. Com medo de morrer virgem. Medo. E raiva.

Sabia que algum dia teria que desencanar, parar com aquela auto-piedade que não leva a nada. E daí que olhassem? E daí que ele soubesse e não quisesse mais nada? Pelo menos seria uma forma de separar as pessoas-joio das pessoas-trigo. Ainda que doesse.

Tirou a blusa de manga comprida que cobria sua regata. “Chega de passar calor à toa”. Reparou numa criança, que virava o pescoço para olhar para ela, enquanto era puxada por sua mãe, num gesto de censura. Sentiu um olhar de pena. Suspirou. Mas era hora de ligar o foda-se. Precisava encontrar um certo rapaz e tirar a limpo seus reais sentimentos.

* Campainha *

-- Ué, que cê tá fazendo aqui? – estranha o rapaz que abre a porta.
-- Você realmente gosta de mim? Realmente quer ficar comigo?
-- Eu já disse que sim. Você que nunca quis. – disse, impaciente.
-- Mesmo eu sendo feia? – e mostrou os braços.
-- Você não é feia.
-- Sou sim, olha. – mostra as pernas.
-- Já disse que você não é feia. Não foi por causa disso que você me mandou pastar, foi?
-- ...
-- Eu já sabia que você tinha isso. Vi numa comunidade sua do orkut. Pesquisei. Sei que não pega, que não tem cura. Mas que tem tratamento e é perfeitamente controlável, apesar de algumas crises que podem ocorrer de tempos em tempos. Às vezes some tudo, às vezes volta.
-- Achei que se você soubesse, iria fugir de mim. Achei melhor que eu fugisse.
-- Então deixa de ser besta e pára de fugir. Vem. – deu-lhe um beijo na testa e foram ver TV juntos.

Simples assim.

À noite, em casa, começou a rir sozinha. Pensou no tanto de vezes que fugiu dos homens, no tanto de vezes que deixou de ir em festas por não encontrar uma roupa que lhe cobrisse as pernas, não pensou na última vez que usou um biquíni em público, porque a memória simplesmente não lembrava. Pensou no tanto de castigos que se impunha, não pelo preconceito dos outros, mas pelo próprio. Ria, porque que na verdade, nunca precisou se esconder do mundo, sempre se escondia de si mesma. Seu real problema nunca esteve na pele. “Engraçado como eu demorei pra ver”.

Percebeu que tudo aquilo que ela precisava era se aceitar, imperfeita - como todos. Assim, ela se livraria do medo e da vergonha que a reprimiram por anos. Estava feliz, aliviada. Era livre para viver por completo, livre para finalmente, buscar sua plenitude.

É... Aquele dia foi uma epifania das boas.


1 Comments:

  • At 11:20 AM, Anonymous Anônimo said…

    ilizi! seu blog anda pouco popular!

    Bju
    M

     

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